HISTÓRIA
É tua, é nossa é de Alter do Chão desde 1836…
É verdade! As dezenas de documentos históricos que
temos vindo a trazer à luz do dia, permitem-nos afirmar, que a atual Banda
Municipal Alterense é a herdeira do património histórico da “Múzica” que se estabeleceu, em Janeiro
de 1836, no seio da Companhia Avulsa da guarda
Nacional do Concelho de Alter do Chão, “…a fim de dar força, energia e enthusiasmo
à organização d´esta que existia em desleixo, e cuja medida foi de combinação e
aprovação do Ex.mo Sr. Administrador geral
do Districto.”
Cremos que esta foi a primeira experiência de arte
musical, na sua forma organizada, que as gentes de Alter do Chão viram nascer. Sabemos, também, que a “Múzica” foi suportada financeiramente
pelos cofres da Câmara Municipal desde Janeiro de 1836 a Dezembro de 1840. Quase
que por milagre, existe depositado apenas um único maço de Mandados de Despesa
da Câmara Municipal. Esse maço corresponde ao ano de Julho de 1838 a Junho de 1839, onde
se encontram arquivadas as doze Ordens de Pagamento referentes à “Múzica” da guarda Nacional. No verso de cada uma encontramos a
assinatura do responsável naquele mês pelo recebimento, num total de sete
assinaturas decifráveis. De entre os seus elementos, é possível reconhecer
alguns dos nomes que fizeram a história da Sociedade Filarmónica Alterense,
como João António Caeiro, Joaquim Alberto Lança, e Manoel Maria de Jezus Gadelha.
O primeiro texto que narra a atividade da Sociedade
Filarmónica Alterense data de 1846. Este documento encontra-se no Arquivo histórico da Câmara Municipal e consta
de uma ata exarada a propósito de um Aviso Régio sobre o nascimento de um
Infante “…sua Magestade a Rainha, com
feliz sucesso dera à luz hum Infante (…)A Commissão ficando sciente acordou
(…)um solemne The Deo em acção de graças, havendo à noite iluminação geral, e
repiques de sinnos, tudo acompanhado pela Banda de Musica da Sociedade Filarmonica
desta Villa, á qual votarão de gratificação a quantia de cinco mil duzentos e
oitenta réis (…)”
É natural que para esta aparição pública se
concretizar fosse necessária uma estrutura organizativa anterior que permitisse
tal atuação. Nesse sentido, sabemos que a extinção da guarda Nacional se balizou entre Março de 1842 e Setembro de
1843 e que o pagamento da gratificação, atrás relatado, no valor de cinco mil
duzentos e oitenta réis à Sociedade Filarmónica Alterense, fora recebido pelo
Mestre de Música João António Caeiro.
Ter-se-iam reagrupado os elementos saídos da “Múzica”
da guarda Nacional, então
dissolvida? Teriam sido estes elementos preponderantes na formação da Sociedade
Filarmónica Alterense? Cremos que sim!... Porventura nunca encontraremos uma
resposta objetiva, contudo, a história
também se faz com interrogações.
No periódico oitocentista A Voz do Alemtejo de Fevereiro
de 1864, podemos ler a seguinte notícia do correspondente José de Sequeira
Azinhaes “Vi hontem o mestre que vem
dirigir a phylarmonica d´esta villa, venha em boa hora, e oxalá que os
aspirantes, a musica e os musicos mais antigos tomam capricho, e conservem em
harmonia a corporação a que pertencem, porque Alter do Chão está no caso de ter
uma boa phylarmonica.”
Do mesmo correspondente ficamos a saber através do
mesmo periódico em Março de 1864 que “…a
philarmonica d´esta villa assistiu a todas as procissões, fazendo-o grátis na
do Mandato. São por isto dignos de louvor todos os philarmonicos, e de elogio o
mestre, o sr. Caetano José da Costa, que em pouco mais de um mez tem obtido,
por sua intelligencia e boa educação, captar os mimos dos philarmonicos, a
ponto de serem hoje bons músicos, e dar gosto o ouvirem-se tocar; cabendo
também muita gloria a comissão, e com especialidade ao membro d´ella, o sr.
Ignacio José Caldeira, incessante em trabalhar para a prosperidade da
corporação e obtendo, por intervenção de seus amigos, a compra de muitos e
necessários instrumentos, e por preços muito commodos, faço votos para que tudo
continue na harmonia em que até hoje tem estado, porque terá o povo d´Alter do
Chão uma philarmonica que deve ser invejada.”
Sabemos pela certidão de óbito que João António
Caeiro faleceu em 1865, mas já se encontrava viúvo e bastante doente na sua
casa da Rua do Crato, conforme se comprova no Testamento Público que se
encontra depositado no Arquivo histórico
da Câmara Municipal.
De João António Caeiro, sabemos, também, através da
Certidão de Óbito e do Arquivo histórico
Militar que nasceu em Estremoz, no ano de 1788, filho de Manoel Caeiro,
Tambor-Mor do Regimento de Estremoz, esteve inscrito na carreira de Oficiais
Inferiores Cadetes Tambores, no entanto o AhM
não possui elementos descritivos da sua carreira como músico. Em Ater d Cãs é
um dos elementos que assina as referidas Mandados de Despesa, llo
Outro marco histórico relevante sucedeu por ocasião
da primeira visita oficial do Rei D. Carlos I e da Rainha D. Amélia à
Coudelaria Real, em 14, 15 e 16 de Maio de 1896.
Sobre essa visita, o periódico Campeão de Portalegre,
noticia o seguinte: “Ás 8 da noite foi
servida a segunda refeição tocando durante o acto a philarmonica
Alterense, sendo levantado repetidos vivas ao findar o hymno
real (…)El-Rei, accedendo a um convite feito, declarou-se socio honorário da philarmonica Alterense dando a esta o título de Real.
Um bravo.”
A 3 de Julho de 1896, o Rei D. Carlos I assinou o
Decreto que concedeu a mercê honorífica do título de Real, dando permissão para
se denominar Real Philarmónica Alterense. A secretaria do Ministério do Reino
enviou um ofício a 9 de Julho desse ano, participando que S.M. El-Rei tinha
concedido esse título. Hoje, sabemos que possivelmente o Diploma de Encarte não
foi solicitado porque se tinham de pagar os direitos de mercê, através do
Imposto de Verba de Selo. Ora as dificuldades destes agrupamentos no seu
dia-a-dia eram enormes e o dinheiro sempre à míngua, certamente não o gastariam
neste preciosismo. Só em 25 de Julho de 1906 é requerido o Diploma de Encarte,
pelo então Presidente da Direção Henrique Achaiolli de Sá Nogueira. Esse
documento histórico que, se encontra na nossa sede social, foi entregue pelo seu filho Domingos de Sá Nogueira,
numa pequena cerimónia, à Direção da Banda no ano de 1981. Sem mais
inquietações sobre o surgimento da Banda, estas datas serviram na perfeição
para o registo fundacional e assim, erradamente, temo-las no nosso atual
historial.
Um dado completamente desconhecido até agora foi o
fato de terem existido entre 1904 e 1910 duas filarmónicas em Alter do Chão: a
Real Philarmónica Alterense ligada ao Partido Regenerador liderado pelo
influente médico Dr.º João Pestana e a Nova Philarmónica Alterense ligada ao
Partido Progressista liderado, também, por outro influente médico Dr.º João
Raphael Mendes Dona. Podemos encontrar nos periódicos locais referências
pormenorizadas acerca das rivalidades entre as duas filarmónicas, especialmente
a Folha Portalegrense e o Século afeto ao Partido Regenerador e o Distrito de
Portalegre órgão afeto ao Partido Progressista.
Com a queda da Monarquia, cremos que as duas
filarmónicas se fundiram a 11 de Agosto de 1911, e a coletividade volta ao seu
nome primitivo: Sociedade Filarmónica Alterense.
É apenas a nossa convicção, ainda não encontramos um
documento oficial que o confirmasse, contudo, o que faz no atual arquivo da
Banda o hino da Padroeira do
Reino Nossa Senhora da Conceição, transcrita por Eusébio da Conceição Brazão? Sabendo
nós que este senhor fora o último mestre de música da Nova Philarmónica
Alterense, assim como Thomas António Camoezas foi o único mestre de música da
Real Philarmónica Alterense (a partir de 1911 Sociedade Filarmónica Alterense)
de 1904 até sensivelmente 1922?
Outro fato muito relevante, aconteceu em Outubro do
ano de 1926, quando a direção da Sociedade Filarmónica Alterense solicita “…ao abrigo do n.º 5 do artigo 94.º da Lei
de 7 de Agosto de 1913…” um subsídio mensal à Comissão Administrativa da
Câmara Municipal. Esta delibera ao abrigo da citada Lei “…conceder o subsídio mensal de cincoenta escudos, a começar em Janeiro
do próximo ano, subsídio que aumentará, logo que a banda tenha os seus estatutos
legalmente aprovados e funcione com regularidade.”
Ainda no mesmo mês, a direção agradece a concessão do
subsídio, mas “…sabendo particularmente
que V. Exa não se opõe à nossa alvejada aspiração, de dar à nossa filarmónica
um título mais distinto e um carater acentuadamente oficial, ouzamos ainda
pedir-lhe o consentimento de denominar a filarmónica com o título de “Banda
Municipal Alterense”. A Comissão deliberou auctorizar (…) que a mesma use o
título.”
Cremos que a direção da Sociedade Filarmónica
Alterense era composta por homens conhecedores e experientes e que tinam
consciência que este enquadramento institucional, para além de fornecer suporte
financeiro, era também elemento disciplinador de comportamentos. Com certeza
sabiam, mais que ninguém, que lidar com músicos amadores não era tarefa fácil.
Temos, também, conhecimento, que esta foi uma
estratégia adotada nesta época (anos 20 e 30 do século XX), por muitas bandas
pelo país fora, de modo a que este novo enquadramento pudesse ser um fator de
maior estabilidade.
Ainda assim, só seis anos depois, se concretizou a
legalização formal da coletividade através da realização da Escritura Pública e
da aprovação e publicação dos Estatutos no ano de 1932. Como se explica, então,
que se passaram quase cem anos, desde as suas primeiras referências escritas?
Cremos que por várias razões, das quais destacamos duas que nos parecem ser
muito fortes. Por um lado, estas coletividades iam surgindo sem grandes
preocupações do ponto de vista legal, e, só mais tarde, quando assumiam um
papel mais ativo e consolidado na vida social e cultural das suas terras se
dedicavam então à sua legalização. Por outro, o fato da não existência de uma
sede social própria, não dispondo de qualquer arquivo onde documentos como atas,
relatórios, listas de músicos, inventários de instrumentos e de partituras
musicais, pudessem ser devidamente preservadas.
A partir da década de 60, Portugal vivia mergulhado
numa angústia que parecia não ter fim. A sangria das camadas trabalhadoras das
terras do interior para o litoral e para o estrangeiro a fuga dos jovens ou a
participação deles na guerra
Colonial, acabaram por ter reflexos negativos na demografia do país.
Alter do Chão não ficou alheia às situações
referidas. A Banda entrou num longo pousio, ou melhor dizendo numa vida latente,
pois um pequeno grupo de músicos foi mantendo sempre a atividade musical. Hoje,
parece-nos um castigo imerecido que, ninguém, na altura, sabia quanto tempo
duraria. Não fosse a dedicação e a carolice de alguns e o bairrismo da
população, a Banda ter-se-ia extinguido.
Era necessário fazer alguma coisa, criou-se então, no
ano de 1976, uma Escola de Música, iniciando-se um profundo processo de
reestruturação e rejuvenescimento na organização da coletividade. Os poucos
músicos mais velhos emprestaram a sua competência e saber e os mais novos
deram-lhe irreverência e empenhamento.
Atualmente, continuamos com frequentes impulsos na
Escola de Música a fim de aperfeiçoarmos o grau de execução dos músicos, a
elevação do nível artístico, a melhoria do repertório e a criar novas
performances públicas.
Cremos que os músicos se encontram hoje mais bem
preparados para os concertos em igrejas e auditórios, sem renegar, contudo, a
rua: onde tudo começou.
Tocando nas ruas, as bandas conseguem chegar a toda a
gente, desde a simples arruada à cerimónia oficial mais conceituada. É a música
do povo que importa preservar.
Da vasta atividade, nos últimos 30 anos, destaca-se o
fato de ter atuado por todo o país, na ilha de São Jorge – Açores e de ter
efetuado seis digressões ao estrangeiro, quatro em Espanha – Barcarrota (1993);
Zafra (1996); Montijo (2000); e Llerena (2001) e duas em França – Thourotte
(2006 e 2010).
A coletividade viu reconhecido o seu trabalho em prol
da cultura musical com a prestigiosa distinção “Pessoa Coletiva de Utilidade
Pública”, atribuída pela Presidência do Conselho de Ministros no ano 2000.
Foi, também, distinguida, pelo reconhecimento do seu
papel insubstituível no campo da música e da formação musical com a Medalha do
Concelho – grau Ouro, atribuída
pela Câmara Municipal, da Presidência do Dr.º Joviano Martins Vitorino no ano
2006.
Entre a mercê honorífica do título de “Real”, a
prestigiosa distinção “Pessoa Coletiva de Utilidade Pública”, a Medalha do Concelho
– grau Ouro e os honrosos
louvores e distinções que tem vindo a conquistar, a nossa coletividade tem
prestigiado o nome da nossa terra e das nossas gentes. Para muitos, tem sido
uma das grandes embaixadoras que Alter do Chão tem na sua história artística.
Com uma presença filarmónica de 180 anos de
existência, cremos que as suas raízes profundas se encontram entranhadas neste
pedaço de terra e, em Alter do Chão, ninguém deverá reclamar pertencer à sua
árvore genealógica.
O futuro nasce com o que fazemos no presente. Esta é
a história. O que a Banda Municipal Alterense há-de vir a ser, não sabemos…
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